quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ENTRO EM 2011

Entro em 2011
sem carregar montanhas
e pedras.

Para que preciso de pedras
montanhas
ilhas
segredos?

Entro em 2011
de alma leve.
Nada de trazer
bagagens extensas
de memórias
amargas.

Entro assim
sem pesos
ancestrais.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O BARQUEIRO

O velho barqueiro
perdeu o barco
na tempestade
em alto mar
e com dois remos
quebrados
rumou até a praia
onde chegou
morto
mas realizado
por não ter desistido
da aventura
de ir até o fim das suas forças
e do seu percurso.

NENHUM POEMA É UM PRATO FEITO

Nenhum poema é
um prato feito
ou cheio
antes de ser escrito.

É um prato vazio
para colocar dentro
salada de palavras
versos com azeite
e alguma carne
temperada.

O poema só será prato cheio
depois de escrito e lido
digerido ou não digerido.

Por mais indigesto que seja o poema
deve ser degustado
como se degusta
um peixe
uma fruta
um queijo brie
ou uma feijoada.

Não se deve devorar o poema
sem mastigá-lo
e percebê-lo
em toda a sua orgânica
natureza
de ser vivo
que é capaz de resistir
principalmente
a quem tem mais fome
e sede
de poesia.
Os que passam pelo poema
como se fosse um desconhecido
continuarão com o prato vazio
e nunca preencherão os seus sentidos
com as vozes do poema
líquidas e sólidas
os vapores que nascem dele
e se dispersam no ar
como aromas insondáveis
e perenes.
Cada leitor tecerá o poema escrito
a partir de seu próprio tato, olfato
e capacidade de ouvir o seu som
lá no fundo da terra
e nas profundezas do universo.

TUDO O QUE ELA QUERIA NA VIDA

Tudo o que ela queria na vida
era ter um filho.
No primeiro casamento
não deu certo
porque o marido era estéril.
Divorciou daquele que ela dizia
ser a grande paixão da sua vida
e se casou com o vizinho
que ela considerava um chato
um pobretão
e que babava por ela desde
os sete anos de idade.
A criança nasceu
ela logo se cansou
de amamentar
e disse para o marido
que não iria deixar o emprego
por causa do filho
e que ele ficasse em casa
cuidando do bebê.
O marido saiu do banco
onde era caixa
e virou um trocador de fraldas
profissional.
Ela se cansou dele e do filho,
mudou de cidade
de emprego
e disse que havia descoberto
que não tinha vocação
nem para esposa
nem para mãe.
Viveu sozinha a partir de então
e hoje se diverte
à noite fazendo amigos
no Facebook.
Já tem uns duzentos.
E pretende aumentar mais e mais a sua coleção.

CACHORRO QUENTE

Conheço um sujeito
que é viciado em cachorro quente.
No almoço come dois,
à tarde mais um
e na hora da janta
come um cachorro quente de prato
com garfo e faca.
Nunca pensei que existisse uma pessoa
que comesse praticamente a mesma coisa
todos os dias.
No café da manhã?
Salsicha no molho
cortada em vários pedaços.

O INIMIGO DIÁRIO

Lutamos contra inimigos
diários.
Se não temos um pequeno inimigo
ao nosso alcance
reclamamos da falta desses inimigos necessários.
Às vezes o inimigo
é um imposto que chega pelo correio
e que é maior do que imaginávamos.
Pode ser também uma dor de dente
ou na coluna.
Se não tivermos inimigo nenhum de plantão,
inventaremos um
porque essa é a nossa especialidade.

POEMA DE PÓS-NATAL

Comeu peru demais no Natal.
Nunca pensou que pudesse comer
praticamente um peru inteiro.
Mora sozinho.
Fez uma ceia para si mesmo.
Tomou uma garrafa de coca
dois litros
porque não bebe álcool.
Tem sonhado toda noite
que está comendo um peru
gigantesco
que quanto mais ele come
mais aumenta de tamanho.
Chegou a pensar em ir
a um psicólogo
mas preferiu esperar
o peru do seu sonho
se dissolver com o tempo.
Peru nunca mais.
No Natal do ano que vem
pensa em comer bacalhau
ou pernil.
Nada de peru ou chester.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ESTAR NO NATAL

Estar no Natal só um décimo?
Estar no Natal só um quinto?
Estar no Natal só um terço?
Estar no Natal só a metade?
Estar no Natal ganhando presentes?
Estar no Natal comprando presentes?
Estar no Natal comendo peru?
Estar no Natal com o cartão de crédito na mão?

Estar no Natal
é penetrar no seu significado
no que ele representa
não passar pelo Natal
como um robô vestido de Papai Noel
acenando para o vazio
sem saber o motivo.

Estar no Natal
é romper as fronteiras
de si mesmo
e das próprias defesas
e reconhecer-se renascido.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Grafiteiro

Ele nunca foi um pichador,
mas um grafiteiro.
O que ele faz é arte.
Acontece que escrever nunca
foi o seu forte.
No vestibular da Unesp
caiu justamente o tema:
grafite: entre o vandalismo e a arte.
Deu um branco nele.
Em vez de escrever
fez um desenho
como se fosse um grafite.
A redação não saiu.
Mas bem que o desenho
poderia se transformar
em um grafite
em um daqueles muros sem graça
brancos
que não expressam
arte nenhuma.
Vestibular só no ano que vem.
Grafites
ele quer fazer vários
para desestressar.
Vestibular nunca foi a praia dele.
Grafite é.

domingo, 19 de dezembro de 2010

A MECÂNICA DO ACASO

Escrevo este poema agora
aqui no computador.

Em seguida imprimo uma cópia
e a deixo em um banco de jardim.

Um pombo pousa neste meu poema
e faz cocô.

Um homem magro e alto
de uns setenta anos
-com cuidado para não se sujar-
lê o poema em voz alta
e se diverte
de ter sido retratado no poema
que ele está lendo
sentado no banco
sem imaginar
essa mecânica estranha
e incrível do acaso.

sábado, 18 de dezembro de 2010

UM HOMEM, UM BAR, UMA CERVEJA

Um homem tomava uma cerveja
com amigos
em um bar em São Paulo.
Entre um gole e outro
entre uma conversa e outra
um carro desgovernado
invadiu o bar
e matou o homem
que tomava uma cerveja com amigos
às 22 horas e trinta minutos
da última quarta-feira.
O momento feliz
se tornou infeliz para sempre.
O nome dele era Jean,
mineiro de Itajubá,
biólogo
e juiz da Associação Brasileira
de Cavalos Quarto de Milha.
Em poucos segundos,
o homem que se chamava Jean
perdeu o trabalho
a vida
os sonhos
o futuro
porque um carro desgovernado
invadiu um bar
em São Paulo
sem que ninguém pudesse
avisá-lo a tempo
que um carro iria entrar ali
e desfazer a sua vida.

VOCÊ SE RECUSA A SAIR NA CHUVA

Você se recusa a sair de casa à noite
em tempos de chuva.
Trabalhar com chuva pode.
Você diz que é a sua obrigação.
Sair para se divertir na chuva não.
Aí você espera noite de lua cheia
e quando ela acontece
você prefere assistir àquela novela
que é igual a todas as outras
suas velhas conhecidas
com nova roupagem.
Mas como você perdeu o hábito de sair de casa
qualquer motivo serve
para demovê-lo
do prazer de encontrar os amigos
tomar um chope
e jogar conversa fora
como você fazia antes de culpar a chuva
por se trancar em casa
como se fosse um prisioneiro.

TUDO É PALAVRA

Tudo é palavra.
Mesmo quando não se está dizendo nada
naquele silêncio
que toma a sala
a casa
os quartos
a cidade
o mundo
há pensamentos gritando
dentro das nossas cabeças.
No princípio, no meio e no fim
tudo se resume a palavras.
Seremos só um vocábulo?
E quando perdermos o próprio nome
a identidade
e a memória
que palavra nos identificará?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PROFESSOR DE NATAÇÃO

Era exímio professor de natação,
conhecia todas as técnicas,
formou alunos campeões,
mas não sabia nadar.
Um dia o jogaram na piscina
para brincar
e ele morreu afogado.

O URRO

Era um homem de poucas palavras.
Respeitado pela discrição.
Um dia, soltou toda a sua fúria
com um urro
que irrompeu na cidade
e derrubou postes, árvores, pontes, muros.
Em seguida, mergulhou no mais profundo silêncio.

Reticências

Era o homem das reticências...
Começava a falar e deixava
todos no ar...

sábado, 27 de novembro de 2010

QUASE A PALAVRA FOGE

Quase a palavra foge de mim
escapa
me deixando sem voz por segundos.

Quase a palavra vai embora.
Eu a seguro na boca
e a digo em voz bem alta
para que todos a ouçam
e eu possa mantê-la comigo
como aliada
que pode me socorrer
nas situações mais variadas
adversas
absurdas
inesperadas.

A palavra é uma presença
que me alimenta.
Sem ela
há uma fome de sentido
e de expressão
que mata aos poucos
minuto a minuto.

O silêncio, só ele,
sem palavras por perto
para recorrer
quando for preciso,
é um inimigo mortal.

sábado, 16 de outubro de 2010

CONGESTIONAMENTO

Carros novos.
De todas as marcas.
Nacionais e importados.
Parados.
Imóveis.
Não há trânsito.
Só uma sensação
de que há mil estacionamentos
colados
um ao outro
na rua
por falta de espaço
para fluir.

COLOCARAM DEUS NA RODA

Os políticos colocaram
Deus na roda
com a maior insolência.

Deus não é cabo eleitoral.

Política e religião
não se casam não.

Política e religião
é mistura
explosiva.

Deus não quer saber
de ser usado
por esse ou por aquele.

Deus está em outra linha.

Os políticos acham-se
beatificados
de antemão.

Para ganhar eleição
se transformam
em bons meninos
em dia de batismo
ou primeira comunhão.
Essa não.

Depois da eleição
voltarão
a vestir a roupa da mentira
e deixarão Deus em paz
até a próxima eleição.

PETISTAS E TUCANOS

Petistas e tucanos
guerreiam entre si.

Dilma e Serra
prometem o mundo
aos eleitores
para ganhar a eleição.

Enquanto isso
um mendigo
sentado
na calçada
olha para o vazio
e parece nem saber
que estamos em época de eleição.

TIRADENTES

Viajei ontem a Tiradentes
sem ir lá.

Viagem incrível essa
com mil possibilidades.

Nem faltou o gosto autêntico
de cozinha mineira
que parece que foi feita
por cozinheira
de outros séculos
sem perder
o aroma
e o mistério.

GAIARSA

José Ângelo Gaiarsa
o psicanalista
o escritor
o desafiador das instituições
e da moral jurássica
mergulhou
no seu silêncio
onde haverá sons
-pressinto-
que nem imaginamos quais são
e como ressoarão.

NOITE ÍNFIMA

Noite mil vezes menor que uma agulha
ou alfinete.

Noite ínfima
invisível
a olho nu.

Dentro dessa noite minúscula
milhões de planetas
invisíveis
brilham
no fundo
do imperceptível
existindo
na sua microforma infinita.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DO FUNDO DA MINA

Do fundo da mina de cobre
da caverna extrema
33 homens
brotaram
de novo
para a luz.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

POESIA EM FALTA

O homem grita no meio da rua:

-A poesia está em falta.

A mulher , que passa dirigindo uma Tucson , grita mais alto:

-Sai da frente, louco.

E o homem continua gritando:

-Falta poesia.

Um ciclista na contramão joga o homem no asfalto
que, não se dando por vencido, grita, agora
em forma de pergunta:

-Poesia, onde você está?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VIAGEM INEXATA

Viajo nos trilhos da palavra
com trilha sonora
de Beethoven
Bach Villa Lobos
Mozart Chopin Schubert.
Viajo nos trilhos do poema
exercitando
dissonantes acordes
verbais e instrumentais.

Viajo nos trilhos do agora
com passagem de ida
para o próximo instante
e para outros instantes futuros.

Viajo nos trilhos do já.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

DE LEÃO FEROZ A DOCE GATINHO

Os marqueteiros de Dilma
já avisaram:
-Lula tem que voltar a vestir
a fantasia paz e amor
da última eleição.
Rosnar não.
Rosnou tanto
o rei leão Lula
que assustou os eleitores de Dilma
que não gostam desse estilo feroz
do presidente
de gritar
rosnar
ameaçar
como se fosse uma fera.
A fera
vai parecer um gatinho
daqui pra frente.
Isso é que é estratégia.
Para ganhar eleição
vale qualquer metamorfose.
Ele sabe disso
e seguirá à risca
a cartilha.

Micropoemas

1

Saí do poema,
entrei na palavra dita no meio do caos.

2
O espelho saiu do ar.

3
A televisão existe mais do que deveria.

4
Nasceu, cresceu e morreu
sem olhar a vida ao vivo.

5
Perdeu o ponto e a vírgula.

6
No ventre da palavra renasceu.

7
O elefante era tão tímido.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

PARA BAIXAR A BOLA




Segundo turno
para presidente
serve para baixar
a bola de Lula
que estava nas alturas
decolando até o infinito.

Se Dilma ganhasse
já no primeiro turno
Lula se sentiria
mais rei do que já é.
Rei de si mesmo
coroado
pela plateia petista
que infla o seu ego
até ele flutuar
no espaço
como um astronauta
que vive na lua do poder,
bem acima aqui do chão.

domingo, 3 de outubro de 2010

DEPUTADO TIRIRICA



O deputado mais votado do Brasil
é um palhaço.

Quem são os palhaços?

Qual é a palhaçada?

Qual é a graça?

Você ri?

De quê?

sábado, 2 de outubro de 2010

O ELEITOR DE CABRESTO

Era um eleitor de cabresto.
Trocava voto
por tijolo
cimento
telha
areia.
Quando já estava morando
na casa
que construiu
com material de quinta
da troca com os políticos
um dia acordou
com a casa
no chão.
Nada restou daquela construção.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

NO VOO E NO PENSAMENTO

(Para os integrantes da Companhia dos Pés)

Voar com os pés
com o corpo
e com as ideias.

Voar com Sêneca
voar com sede
de encenar no ar
o cotidiano
o tempo
a soma dos minutos
intensos
e tediosos.

A vida é voar
sem limite
pelo palco cidade
pelo palco mundo
subindo em paredes
torres
árvores
até o infinito
e voltar ao chão
buscando fôlego
para voar de novo
na próxima encenação.

sábado, 25 de setembro de 2010

O MONSTRO

Que monstro foi aquele
que invadiu o seu sonho?

Horas depois de ter acordado
a presença do monstro
ainda o perturba
mas sem a mesma
voracidade
que apareceu
no sonho
pronto a destruí-lo.

No final da tarde
o monstro
se dissolveu
como um torrão de açúcar
na xícara de café.

MEMÓRIAS

Esqueceu o nome do bolo
que comeu na sua última viagem
ao exterior
há dez anos.

Esqueceu a chave do carro
na mesa da cozinha ontem à tarde.

Mas se lembrou do amor
perdido há vinte anos
que ainda vigora na sombra.

Memórias vão
memórias vêm.

Esquece-se muito
porque há muito o que esquecer.

Com muitos objetos ao nosso redor,
é impossível se lembrar de todos.

A melhor memória
é a das sensações.

O gosto daquele bolo
que ele comeu
na Suíça há dez anos
está intacto
na sua memória.
O nome desapareceu,
mas o prazer de comê-lo não.

QUE HORAS SÃO?

Que horas são?
Que horas não são?
Quanto tempo falta?
Para quê?
Para começar a viver?
Para continuar a viver?
Para renascer?
Para desaprender tudo
e reaprender de um novo jeito
que você nem sabe qual?
Que horas são?
Esqueci o relógio em casa.
O tempo é infinito.

ESPELHO

Reflexo sem nexo?
OHLEPSE
Olhe-se no espelho.
Olhe o espelho
por dentro
vendo-se inteiro
pelo avesso
do próprio olhar
difuso
que nasce do espelho.

O CURSO DO INSTANTE

Nasce o instante
percorrendo
o seu estar no mundo
neste exato momento
fazendo-se ver
compreender
lançando no ar
ideias novas
surpreendentes
que só duram uma fração
mínima de tempo
com um gosto de eternidade.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

LIXOS VERBAIS TENEBROSOS

Lixos verbais tenebrosos
são depositados
na nossa sala.

É o Horário Político
ou o Horário do Circo dos Horrores?

Não pagamos ingresso
para assistir.

Mas muitos
milhares
milhões
pagam com o voto
para eleger
a mentira
a farsa
o engano
o deboche
o descalabro.

Pagam para ser enganados.
Consomem o lixo
de promesas
vazias
línguas que repetem
a mesma surrada
fala
de eleições passadas
e de intenções malévolas.

Quantas toneladas
de lixo diariamente
caem na nossa sala?

Quem irá recolhê-lo
e transformá-lo
em agradecimento
a esses devastadores
do bom senso
da educação
da cultura
e da inteligência?

Que esse lixo
vá para bem longe
e se incorpore
àqueles que o pronunciam.

Não quero reciclá-lo
elegendo
a podridão
como futuro
desta nação.

Nação
ou será Inação?

Nação ou será
sem Noção?

Nação ou será
Falsificação?

Nação se constrói com educação
não com espoliação
da maioria
com bolsas
que escondem
a verdadeira intenção
de manipular
de usar
de aprisionar
todo um povo
por décadas a fio
até o fim dos seus dias.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

INDEPENDENTES?

Que Independência é essa
se contimuamos dependentes
dos corruptos
das grandes corporações
dos discursos esdrúxulos
daqueles que nos prometem tudo
sem ofecer nada?

7 de setembro.
Ser patriota é resgatar o país
das mãos daqueles
que nos saqueiam
há séculos.
Fazemos isso?
Será que fazemos?
Ou não?

domingo, 15 de agosto de 2010

ESPERANDO GODOT DANÇANDO


Em cena: Letícia Leão, Marília Costa e Thais Gimenez.

(Para os integrantes do Projeto Fletir)

Na espera
a imobilidade
a angústia
o torpor.

Na espera o movimento louco
alucinado
choque de corpos
no escuro.

Na espera
de Godot
entramos todos em cena
e dançamos
representando
a nossa dor.

Na espera
improvisamos
nos movemos
em mínimas
danças
dos olhos
da boca
dos braços
das mãos
das pernas
dos pés
até chegarmos
a uma grande revolução
do corpo
sentindo
no seu cerne
que há uma espera
interna
desde o início
de todas as eras.
A espera é infinita.
Mas não precisamos
nos tornar
reféns paralisados
petrificados.

A espera tem muitos ritos.

A espera pode ser circular
ou labiríntica.

A espera é a sua própria vertigem.

sábado, 14 de agosto de 2010

FALTA POESIA NESTE MUNDO

Um carro passa veloz
e joga lama
na mulher que caminha
com um bebê no colo.

Dois homens brigam
porque os espelhos retrovisores
dos seus carros
se tocaram.
Um deles atira,
o outro morre.

Menino de 13 anos
chefia assalto
em uma república de estudantes
no interior de São Paulo
e os submete a socos e chutes.

Passando na minha frente
vejo
um homem em andrajos
e gargalhando
dizendo bem alto, quase gritando:
-Falta poesia neste mundo.
Na sua mão, um livro,
provavelmente de poesia,
bem surrado,
mas ainda vivo e pulsante.

AROMA DE ROMÃ

(Poema de número 400 )

O seu aroma de romã
aciona em mim
outros aromas e outros sabores.
O amor é puro aroma de romã
de morango e de hortelã.
Para cada dia novo
um aroma pronto
para crescer
em nós
amorosamente
sedentos que somos
de mais amor.

NO DESERTO

NO deserto
a mulher
nua na nudez do deserto
contempla
a sua solidão
sem haver
se haverá um oásis
no seu futuro incerto.

RÓTULO

De remédio.
De bebida.
De comportamento.
Prefiro o que não tem nome
e brilha na sombra
iluminado.

NÁUFRAGO

Um naufrágio antigo.
Só hoje per4cebi que estou ainda
sob a água.
Sobrevivi?

SILÊNCIO

Preciso de um grito
para reforçar o silêncio.
Para revitalizá-lo.

BARATA

Ela não tem nenhum medo de barata.
Teme os humanos
e vai enumnerando os seus motivos.

TOCAR PIANO

Ela toca piano
como se estivesse nas nuvens.
Quando morrer,
quer continuar tocando piano nas nuvens,
mas sem piano.

domingo, 18 de julho de 2010

DEIXE O POEMA NASCER

Deixe o poema nascer
não o prenda
não o amarre
em uma teia de morte.

Deixe o poema dizer
o que ele quer dizer
sem manipular a sua fala
e o seu ser
necessitado
de espaços
poéticos
de dizeres
multifacetados.

Deixe o poema viver.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

MORTO NA SALA DE AULA




Menino de 11 anos
morreu fuzilado
na sala de aula
no subúrbio do Rio
enquanto escrevia
a lápis no caderno
a lição
da lousa.

Na guerra da polícia
contra bandido
morreu menino
que queria
melhorar de vida.

Bala perdida.
Quem acha o fim
dessa história
que não tem fim?

Crianças morrendo
na periferia
do Rio
de Salvador
de Recife
de Fortaleza
dessa doença
chamada bala perdida.

Quem é o bandido?

Foi quem atirou
ou quem deixou
a violência
crescer tanto
e sufocar a vida
o futuro
do menino de 11 anos
que estava com um lápis na mão
copiando a lição?

Quando vamos aprender a lição
da civilização?

Quantas crianças vão ainda morrer
dessa doença que já ficou banal : bala perdida?

POBRE PAÍS



Pobre país
atado
a um jogo político
amarrado
sem novidades
e sem ideias.

Pobre país.
Quem dá o tom
não é nenhum músico
da MPB
mas tocadores
de mentiras
soprando lorotas
para conquistar
os nossos votos.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O AZUL E O AMARELO


Fonte da foto:sentadonomocho.wordpress.com/.../


O azul e o amarelo.

É o azul no amarelo
ou o amarelo no azul?

As cores se interpenetram
dialogam no espaço
dançam a dança cromática
de céu e flor
de flor e céu
na paisagem vibrante
que penetra na retina
e nos ilumina.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

POEMA EXPRESSO

Um trem na palavra
saiu dos trilhos do verso
e do verbo
despencou
numa ribanceira
ferindo a poesia
sem gravidade.

terça-feira, 13 de julho de 2010

PAULO MOURA



Os clarins
as trombetas
e as clarinetas
do infinito
abrem
corredores sonoros
para a passagem
de Paulo Moura
que irá tocar a alma
dos anjos
com a sua doçura
sonante
e eterna.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A BOLA, NÃO O TOURO




Para a Ivana Maria França de Negri

Matar a bola no peito
controlá-la com os pés
e lançá-la à rede
não matar o touro
por farra
ou tradição.

Que as novas gerações
na Espanha
gritem olé
para o seu time e a seleção campeã
não para o toureiro
que com a sua espada certeira
sangra o touro
e põe fim
à vida de quem não foi consultado
se queria
ser protagonista
e vítima
desse sádico e mórbido ritual
sem beleza nenhuma.

A morte do touro
é o avesso do gol.

domingo, 11 de julho de 2010

ESPANHA CAMPEÃ

A Espanha
fez um gol único
que lhe valeu o primeiro título
mundial da história.

Não foi um gol pintado
por Miró
ou Picasso
nem se parece com um poema
de García Lorca
mas foi o gol que ficará
impresso na tela eterna do futebol,
assinado por Iniesta,
um dos muitos
craques espanhóis
que quebraram um jejum
de 80 anos.
Agora estão saciados
com o banquete
do futebol
regado a um bom vinho espanhol.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

POEMA SOBRE O NAUFRÁGIO DE UMA PALAVRA NO OCEANO MINERAL

mar mineral
sugou aquela palavra
que nasceu
em região abissal.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

RUÍNAS

Ruínas do dizer
a palestra não começa
a plateia em alvoroço
desiste de esperar
o palestrante
que sem ter o que dizer
aparece só para olhar
todos indo embora
sem olhar para ele
imerso na sua solidão
arruinado em meio
às palavras que voaram.

O POETA MUDO

O poeta mudo
diante do poema que não sai
ensaia um grito
um bocejo
uma gargalhada
mas fica só no espanto
de não conseguir
dizer
escrever nada.

SE A PALAVRA

Se a palavra
perder o seu poder
de dizer

será como uma caneta
cuja tinta escapou

terça-feira, 6 de julho de 2010

APELO 7

Não durma com o celular embaixo do travesseiro
nem abraçado nele
como se fosse um ursinho de pelúcia.

Prefira os ursinhos
que não tocam na hora errada
nem enviam torpedos
com mensagens indesejáveis.

APELO 6

Não sofra pela seleção
como se perder uma Copa
fosse uma tragédia
capaz de deixá-lo
doente e mal-humorado.

Não caia nessa história
de que o Brasil é o único país
que merece ser campeão.

Você é só um torcedor.
Se você chutou o cachorro ou o gato
depois que o Brasil perdeu da Holanda
e foi eliminado
peça desculpas para eles
que não têm culpa
do seu fanatismo
irracional
e sem sentido.

Enquanto você berrava
desesperado
eles dormiam
e nem imaginavam
que você estava
se esgoelando
por tão pouco.

APELO 5

Não coma feijoada à meia-noite
por melhor digestão
que você tenha.

Não teste o seu estômago
para ver se ele resiste.

Ele pode não gostar da ideia
e reagir não digerindo
a bomba que você lança nele
em hora errada
sem pedir licença.

APELO 4

Atravesse a rua
só na faixa de pedestres.
Nada de se aventurar
no meio dos carros
como se você fosse um herói blindado.
Não se atreva
a atravessar na frente de um carro-forte
mesmo que você acredite
que ele irá frear
e salvá-lo de um atropelamento
porque você é um cara legal
tem ficha limpa
e é de boa família.

APELO 3

Não tome banho de sol
ao meio-dia
mesmo que você esteja usando
protetor solar 50.

Não tome banho de sol
com a ilusão de que você
irá ficar atraente
com aquela cor de tomate
e a pele parecendo um torresmo.

APELO 2

Não coma maionese
em festa de casamento
mesmo que você conheça o bufê
desde criancinha.

Pior ainda,
se você for o noivo ou a noiva.
Maionese pode estragar a lua de mel
e até o casamento
já no dia seguinte.

APELO 1

Não suba os degraus
de olhos fechados
mesmo que você se considere
um atleta radical.

Não desça os degraus
de olhos fechados.
Nunca se sabe
a dimensão do tombo
e quantos membros
e outras partes suas
serão danificados.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

POEMA NA FILA

Na fila do banco
o poema
não se irrita.

Permanece observando
a angústia das pessoas
o desconforto
a demora
e na hora de ser atendido
desiste
porque não tem conta bancária
cartão de crédito
ou de débito
e estava ali só para ter a certeza
que o seu mundo não é aquele.

POEMA NA ESQUINA

Um carro
em alta velocidade
perdeu a direção
e entrou em uma loja
cheia de roupas
e sem nenhum cliente.
Quase o poema foi atropelado.
Se não fosse o quase,
pensa o poema,
quase ninguém mais estaria vivo.

POEMA NO BUEIRO

Que lugar mais sujo, pensa o poema.
E cheio de ratos
Fios
labirintos.
O que eu vim fazer aqui?, ele se pergunta.
De repente
ouve uma explosão.
O poema encontra uma saída
e ainda assustado
e chamuscado
retorna aliviado à superfície.

POEMA NA GALERIA

O poema se diverte
com uma instalação interativa.
Entra e sai dela
sem parar.
Toca nos objetos
que pedem para ser tocados.
O poema se sente
dentro de um parque de diversões
e descobre que gosta
desse tipo de arte.

POEMA NO SHOPPING

O poema
não sabe
se come fritas
ou hambúrguer.

O poema arrisca uma coca-cola
depois fica arrotando
sem parar
e percebe
que esse lugar não é para ele.
Que não há poesia nenhuma
nesse ambiente
estranho
e encaixotado.

POEMA NA VIDRAÇA

O poema foi atingido
por uma pedra
na vidraça.

Ele foi até a janela
para observar a rua.
Não esperava
uma recepção tão violenta.

Em pedaços
o poema tenta se recompor
no chão
reconstruindo
os seus cacos
com uma cola
que trazia no bolso
para as emergências.

POEMA NA ESCADA

O poema sobe a escada
mas não sabe aonde dará
essa escada interminável.
No centésimo degrau
ele desiste
e começa a descer
sem entender
aonde leva a escada.

POEMA NO MURO

O poema quase morreu
eletrocutado
por uma cerca elétrica.

O poema é mais frágil do que um gato
ou um passarinho.

O poema não conhece nada
de cercas elétricas.

POEMA NA RUA

O poema está na rua
tentando conversar
com quem encontra
no caminho.

Não consegue o seu intento.
Todos estão muito apressados
para perceber um pobre poema
pedestre da palavra
insignificante
para quem passa correndo
procurando a vida
onde ela não está.

POEMA NO ESPELHO

Qual é o avesso do verso?
No espelho o poema
se vê por dentro
e se espanta
com a sua imagem
exposta
ao mesmo tempo tão verdadeira
e tão falsa.

POEMA NO ESCURO

O poema não tem medo do escuro.
É na escuridão
que se desnuda
e se descobre
aberto
a todos os sentidos.

POEMA NA ÁGUA

Versos embebidos
pela água que escorre.

Versos molhados.

Versos líquidos.

O poema gosta de lavar-se
e de buscar
nas gotas das palavras
rumos novos
para correr
como rio ou fonte
de dizer e de ser
o poema impermanente
mutável
mutante
explorando
as vozes múltiplas
do verso que não seca nunca.

domingo, 4 de julho de 2010

MORREU O POETA ROBERTO PIVA

O poeta mais paulistano morreu.
O poeta cosmopolita morreu.
O poeta marginal morreu.
Roberto Piva grita os seus poemas
pelas ruas de São Paulo
vivo
apesar de morto.
Ninguém escuta.
O trânsito caótico
a loucura
a pressa vertiginosa
impedem
que Roberto Piva
diga um poema de sua autoria
para lembrar
que a poesia não morre.
Roberto Piva
é um poeta
de ação.
A sua palavra é um manifesto
poético
que não termina.
Roberto Piva morreu.
Quem é Roberto Piva,
pergunta um passageiro
esperando
o próximo trem no metrô.
Chega o trem,
o passageiro entra
e nem se lembra mais da notícia
que voou nos seus ouvidos
como um pássaro fugaz
e etéreo.

sábado, 3 de julho de 2010

TODO INSTANTE

Todo instante resume-se
a um átimo.

Todo instante é mínimo.

Todo instante é

Todo instante
Todo
Tod
To
T
.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

FUTEBOL NÃO É BARALHO




Futebol não é baralho.
Marcar as cartas na mesa
é uma possibilidade
que em campo falha.

No gramado só tem uma bola.
Seja Jabulani ou outro nome.

E não existe vencedor prévio.
Ainda mais em Copa
com 32 seleções
querendo o topo.

O Brasil chegou favorito
e saiu
sem brilho e sem brio.

O hexa foi fantasia dos cartolas,
dos jogadores, da mídia e da torcida.
Não se ganha jogo só no primeiro tempo.
Se futebol se resolvesse em 45 minutos
a história seria outra.

Mas o jogo tem noventa minutos,
fora o tempo de acréscimo,
e a prorrogação se for necessário.

O Brasil entrou na África do Sul
rugindo
leão furioso
e voltou gato pequeno miando baixo
vai precisar de muito treino
para rugir de novo
como pentaleão
querendo ser hexa
daqui a quatro anos
em casa.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

DEUS E SARAMAGO



A morte aguardava Saramago
com grande expectativa.
Esperava o momento de recebê-lo
em sua casa vazia.
Saramago chegou e já foi perguntando
por Deus.
Ninguém sabe se Deus o recebeu ou o receberá.
A narrativa começa aqui.
Ainda também não se sabe quem a escreverá.
Será Deus, será Saramago, Borges ou um escritor desconhecido?
O encontro de Saramago com Deus
é um enigma que nunca se resolverá.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

PAGU CEM ANOS



Pagu
cem anos
Pagu
criança rebelde
mulher
revolucionária
Pagu
ativista
escritora
revoltou-se
contra o mofo
que ela imaginava
representar o novo.
O mofo é mofo
tenha o nome que tiver.
Pagu
saiu de São João da Boa Vista
para tornar-se
cidadã do mundo
em transformação.
Pagu é mais avançada
e moderna
do que a maioria
dos jovens de hoje.
Pagu
não cessa
a sua voz
que ainda
resiste
à opresão
à mesmice
à caretice
e à mediocridade.

domingo, 23 de maio de 2010

PASSE A SUA VOZ

Passe a sua voz para o poema.
Sem a sua voz o poema não resiste.
O poema necessita dos ruídos do grito
dos murmúrios dos apelos.
O poema sem voz é um poema sem alma.
Não faça do poema só um amontoado de versos.
O poema é muito mais do que isso.
O poema vive nas palavras e nos seus vazios
com vozes múltiplas
inúmeras
infinitas
que não param de dizer
o que muitas vezes
não esperamos ouvir.

sábado, 22 de maio de 2010

TODAS AS PALAVRAS

Todas as palavras.
Nenhuma palavra.

Todos os sons e ruídos.
Nenhum som para aquecer o silêncio.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

ERUPÇÃO

Erupção na pele?
Alergia.

Erupção na terra?
Vulcão.

Errupção na geleira?
Vulcão.

Os aviões no chão
as pessoas no chão
o mundo não ollha mais para o ar
nem para os pássaros
e as estrelas.

Todos olham para o chão
esperando que o vulcão adormeça.

Que tal colocar Mozart
em gigantescos
alto-falantes
para adormecer o vulcão
que acordou
e não para mais de vociferar
cinzas
e fogo?

Fera-vulcão
muito mais feroz
que o tigre e o leão.

sábado, 10 de abril de 2010

OS MOVIMENTOS DO EU

Quantos metros
me separam
de mim?

Quantos milímetos
me separam
de mim?

Ou serão quilômetros?

O eu desintegra-se
e reintegra-se
nem sempre com os cacos
sendo colocados
na formação antiga.

O eu é móvel.
O eu não é imóvel.
Que grande descoberta.

terça-feira, 6 de abril de 2010

POBRE RIO

Pobre Rio maravilhoso
Pobre Rio tenebroso
depois da enchente
da água explodindo
a vida
ilhando o carioca
o fluminense
na sua cidade-metrópole-mãe.
Grande rio
imenso rio
e também mar
invadiu tudo
Maracanã
Maracanãzinho
Túnel Rebouças
Rio que mata
ou serão os políticos
que inundaram o Rio
de politicalha
sem cuidar
do urbano
do humano
que foi sendo devorado aos poucos
nos morros
nas praias
em toda parte?
E o Cristo Redentor
de braços abertos
não conseguiu convencer
as autoridades
a fazer algo para salvar o Rio
antes que o Rio
se transformasse
em um grande mar de lama
lixo
e dor.
Pobre Rio
luta contra os seus agressores
para renascer
milhões de vezes
se for necessário.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

ALÉM DOS MUROS

Atravesso muros
mundos
universos
e retorno
a este espaço mínimo
de um verso
perdido na página
pedindo socorro
e voz.

domingo, 14 de março de 2010

O NÚCLEO DO INSTANTE

O olho piscou
e o instante
foi-se em um instante.

sábado, 13 de março de 2010

ESPAÇOS

Espaços em uma nota musical
e outra.
Espaços de uma palavra
a outra.
Espaços do silêncio.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

O FURO

O furo que apareceu no meio da sala
de uns dez centímetros de diâmetro
atraiu os vizinhos
amigos
parentes
e até um ladrão
que, assustado,
fugiu correndo
por não saber lidar
com o incrível.

A TORNEIRA

Diante da torneira aberta
o homem
lava mágoas antigas
que não param de escorrer
do seu corpo
e dos seus pensamentos.

O INVASOR

O toque invasivo
do despertador
invadiu a narrativa
onírica
do sonhador
e assassinou
a história
no clímax.

INSTANTE

Mínimo
intenso
máximo

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O PORTO

O navio não aportou hoje.
Amanhã quem sabe.

ENTRELAÇAMENTO

O entrelaçamento
das palavras no poema

O entrelaçamento
das palavras na boca

O entrelaçamento
das palavras no vento

depois de uma tempestade
de ideias
que saem do corpo falante
como explosões
de pequenos dizeres
que acumulados
representam
um agudo discurso
que atravessa paredes e muros
sem cessar o seu eco.

O LIMITE

Rompeu todos os limites
e chegou ao não-limite
ao vazio sem delimitação
sem marcas
sem traços
e deu um grito de liberdade
que não foi ouvido por ninguém
porque havia afastado todas as pessoas
na grande ruptura
que representou
um romper-se consigo mesmo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A CASA EM RUÍNAS

Passei agora
por uma casa em ruínas
que está
sendo demolida há mais de um ano
numa tortura que não termina.
Parece pedir clemência
eutanásia
não suporta mais essa
cruel
exposição.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

LEITURAS

Leu livros
pinturas
esculturas
instalações
rios
mares
montanhas
pessoas na rua
instantes
medos interiores
propagandas enganosas
mentiras de políticos
frases jogadas ao ar
de bocas variadas.

Leu e entendeu
de muitas maneiras
a sua existência
múltipla
e única
estranha
e extraordinária
que o fiz rir da maneira mais livre
que se pode ter
para expressar
o encantamento
diante do inexplicável.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

INSTANTES

instantes
a rapidez do tempo sorvido
não esquecer do microssegundo
nem do microminuto.

Das frações mínimas
do um
chegar
à nanoemoção
que pode acender e queimar
mais
do que convivências
de décadas
que não esquentam
quase nada.

CULPA

Nasceu culpado.
Culpado de quê?
Carregou a culpa
como um fardo pesado
que o consumiu
a vida inteira.

MARES INTERIORES

mares interiores
ondas de pesadelos
e de palavras
mares integrando-se a rios
de água congelada.

mares estranhos extremos
densos
como nadar nesses mares?
os navios emborcados
à deriva
de repente
redescobrem a rota perdida
e retomam
a navegação
dentro
da tempestade.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

UNIVERSOS

Universos
unem versos
um verso
é um milhão de universos.

Versar
sobre os versos
versejar
ver
vicejar
os versos
e os universos
em múltiplas versões.
Universo.
Um único verso.

O CUBO


Fonte: Dzeni
www.dzeni.blogspot.com


O cubo guarda todas as palavras
em todas as línguas
inclusive as extintas.

O cubo guarda poemas
todos os poemas
escritos até hoje.

O cubo é a grande casa
do mundo.

O cubo revela.
O cubo esconde.
O cubo desafia
a nossa imaginação
a pesquisá-lo
até não haver nada a encontrar.

Mas como descobrir tudo
se o cubo é infinito?

domingo, 17 de janeiro de 2010

NA SALA ESCURA

Na sala escura
a tela branca
não mostra nada.

O público
cada um
a seu modo
inventa um filme

e os enredos
se cruzam
sem que se saiba
o desfecho
dessas trams
humanas
misturadas
com muito conflito
e emoção
em altas doses.

sábado, 16 de janeiro de 2010

FLORESTA DE PALAVRAS

Moramos
numa floresta de palavras.

Nada de deserto.

Por que tanto silêncio
se as palavras
estão tão próximas?

Se não as usamos
envelhecem
trancadas
em nós
pedindo
ar
voz
vibração
de cordas vocais
esse grande alimento.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A CONVERSA DOS MUROS

Os muros conversam
entre si
e reclamam
que estão ficando muito altos
sem que tenham pedido
para os seus donos
colocá-los
naquela altura.
Reclamam de problemas
de coluna
e até algumas fraturas.
Não gostam mesmo
é das cercas elétricas
porque também
recebem descarga
e nem têm boca
para berrar
como os humanos
quando sofrem
aquela dor dilacerante
que os faz pensar
que estão se desintegrando.

TRÂNSITO

Transito
na rodovia
das minhas ideias
mas nas horas de pico
o congestionamento é tanto
que ouço mais buzinas
que palavras
e nada anda
nesse tumulto
nesse mar de pensamentos
turvos
que só se acalmam
quando me lembro
do mais simples recurso:
respiro fundo.
Aí o trânsito volta
a fluir
normalmente
até o próximo congestionamento.

CAIXA DE RESSONÂNCIA

A caixa de ressonância
chamada corpo
é um paraíso sonoro
orquestrado
por sons exteriores
e interiores.
E o maestro é ele mesmo: o corpo.
Mesmo quando a batuta
cai no chão
com as mãos vazias
continua
regendo a orquestra.
Alguns músicos dormem
no meio do concerto
mas quando acordam
emitem sons
sonantes
e dissonantes
transformando
essa mistura sonora
em uma grande festa
para os sentidos.

O INVISÍVEL

O invisível
é totalmente visível.
Na textura da palavra
e no som
que emana
da caixa de ressonância
chamada corpo.
Ver os sons
e o tato
sem precisar sempre dos olhos
como se os outros sentidos
fossem só para as emergências.

FUGACIDADE

Acordo para a palavra
e adormeço
na sua fugacidade.

A palavra no sono
foge
como uma folha de vento
vibrando
no meu rosto
que se transforma
em um segundo
em bafo quente
de mormaço do meio-dia.

A palavra dentro
do sonho
é uma palavra fluida
água que não mata a sede
mas que distribui gotas
pela minha boca
até eu acordar de novo
e chamar outras palavras
para conviver com elas
durante o novo dia.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

ZILDA EXEMPLO

Zilda Arns
fez da morte vida
com simples
sinceras
ações
solidárias
multiplicando
mãos
que se juntaram
numa grande ciranda
de amor
ao próximo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

POBRE HAITI

A morte passeia
pelas ruas de Porto Príncipe
enquanto os sobreviventes
-sem rumo-
gritam por um salvador
que não aparece.

Haiti é um terremoto permanente.
É um tremor após outro.
As imagens do terremoto natural
devastador
acendem
outros tremores
com o fogo do desamparo
da exploração
da violência
contra esse país
tão pobre
e tão rico em cultura
música
humanidade
daqueles que estão tão sós
mas resistem bravamente
em um mundo
que os excluiu
ferozmente.

Pobre Haiti.
A pobreza de uns
é a riqueza de outros
que ignoram
as diferenças
a essência do existir
sem submeter ninguém
ao horror
consumindo vidas
como se fossem produtos
descartáveis
sem nenhum valor.

A morte e a miséria no Haiti
são a mesa farta
as casas e os carros de luxo
de muitos políticos
dos países ricos
que nem sabem
ou preferem fingir que não sabem
que o Haiti existe.

sábado, 2 de janeiro de 2010

VOO DE VIDA

(Poema em homenagem a todos que pereceram na trágica madrugada de primeiro de janeiro de 2010, na Ilha Grande e em outros locais em Angra dos Reis)

Não foi água leve
a que chegou
feroz
levando vidas
que estavam vibrando
com o novo ano
nascendo.

Foi água pesada,
de morte.
Água dura
de destruir montanhas.

Água dura
de aniquilar futuros.

Que todas as histórias
daqueles
que morreram na ilha
se encontrem
em outra dimensão
e refaçam a trajetória
da vida
em um não-tempo
e um não-espaço
gerando
tempos e espaços
surpreendentes
acima da morte
e dos acontecimentos trágicos
e que a beleza ressurja
no voo de uma gaivota
sobre a ilha
reconfigurando
o espaço
da luz
num imenso e infindável arco-íris.

YUMI FARACI

Estrela
que toca
agora
no infinito

Estrela
que canta
agora
no eterno

Estrela
que arquiteta
a vida
agora
em uma nova esfera.