domingo, 30 de agosto de 2009

DEVER DE VER

Dever de ver
o poema
antes de ele nascer
e acompanhar
a sua gestação
para que ele
não morra
antes de ser.

sábado, 29 de agosto de 2009

MISTURAS

Arroz, feijão e farinha

Leite, café e farinha

Arroz, polenta, frango e farinha

Como viver sem farinha?

Farinha de pão,
farinha de milho,
farinha de aveia.

A farinha se mistura bem
com todos os alimentos.

QUERO O AR

Quero respirar
o ar do poema.

Aerofagia poética.

Degustar o ar
nas narinas
e na boca.

O poema respira.
Eu respiro melhor
através dele.

domingo, 23 de agosto de 2009

O MATADOR DE ÁRVORES

Corta árvores
como quem corta um pão.

Diz que é o seu trabalho.
Que não conseguiria
fazer outra coisa.

Vocação estranha essa
a de matar árvores.
Estranha profissão.

sábado, 22 de agosto de 2009

O VINHO E O NETO

Aquele vinho na adega
esperou cinquenta anos
para ser bebido.
O neto que herdou
a raridade
do avô
vendeu todas as garrafas
em um lote
por 500 reais
sem saber
que se tratava de um Romanée Conti
das melhores safras.
O que ele gostava mesmo
era de coca-cola.
Vinho para ele era tudo igual.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ONTEM

Foi ontem
de ontem
mesmo
ou é um outro ontem
que me chama
lentamente
para o nicho
da memória
extrema?

Há muitos ontens
acumulados.

Abre-se a janela
e um vem à tona.

Não sabemos quando chega
e quando parte.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O POEMA PLÁSTICO

Na galeria
a palavra azul
em acrílico
rompe as paredes
e provoca
uma sensação
de destruição.
Ou será criação?
Ambas se completam
na galeria
desconstruída.
O artista
não pôs a obra
à venda.
Se assim fizesse,
teria que vender
também a galeria.
Que não é dele.
Grande dilema.

domingo, 16 de agosto de 2009

SEGUIR

Parou
por um instante.
Pensou em nunca mais
seguir em frente.
Naquele minuto virou pedra.
No minuto seguinte
retomou a vida
e nem se lembrou mais
daquele desatino momentâneo.

Folha esquecida

Folha velha de caderno.
Tem trinta ou quarenta anos
e ainda respira.
O caderno foi para o lixo.
A única folha
com um poema de amor
amarela
manchada
amassada
sobreviveu
ao amor
ao caderno
ao abandono no fundo da gaveta
como se não estivesse mais lá
há muito tempo.

O CAMPEÃO

O seu apelido era Campeão.
No futebol, sempre foi reserva.
Na corrida, terminava sempre em último.
Campeão? Era pura gozação.

O DESVENDADOR

Desvendava mistérios
e descobria outros
mais misteriosos ainda.

O PALAVREADOR

Inventava palavras
falava
cantava
brincava com os sons
e ainda ganhava
algumas moedas
no sinal fechado
aberto só para ele.

UM VERSO

Um verso exposto na rua e totalmente ignorado.

sábado, 15 de agosto de 2009

POEMA LIVRE

livre
de asas
no vento
sem corpo
que o prenda

livre
sem medo
de ser
o poema
nascido
da fonte
da palavra.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

CAVEI PALAVRAS

Cavei palavras
em terra funda
mais funda
que a terra
mais profunda.

Cavei linguagens
perdidas
e preteridas
reencontradas
no escuro
poço
das vozes
extintas
e renascidas.

Cavei
e abri
mundos
fechados
que renasceram
na manhã
flor selvagem.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O POETA

O poeta silenciado
pelo tempo
constroi versos
na parede
da memória perdida.

domingo, 9 de agosto de 2009

POEMA NÚMERO 200

Duzentos poemas
Duzentos amores
Duzentas lembranças
Duzentos sonhos
Duzentas esperanças
Duzentos planos
Duzentos passos
Duzentos olhos
vendo o mundo
de duzentas maneiras.

O VELHO PAVÃO

O velho pavão
de penas
já sem brilho
esquecido
no jardim
parece
árvore
sem frutos e flores.
Abandonado
olha
para as crianças
e os homens
que o ignoram
como se não existisse.
Um pavão
não consegue viver
nessa extrema solidão.

UM SABIÁ CAÇADO POR SABIÁS

Vários sabiás
em conferência
decidiram
julgar
o pobre sabiá
jovem
que rompeu as regras
do grupo.

Que regras seriam essas?
Se não nos entendemos
com vamos entender
os sabiás?

Atacaram-no
a bicadas
e o adolescente
sabiá
se refugiou
na lavanderia
da casa
e ficou lá
esperando
que os outros sabiás
que montavam guarda
dia e noite
se afastassem.

Em uma bela manhã
depois dos curativos
feitos pela dona da casa,
o sabiá
caçado por sabiás
ousou um voo
não se sabe para aonde
e desapareceu
no horizonte
livre e assustado.

O Rio

Pode este rio
ainda dizer-se rio?

Não há um peixe
em seu leito
só detritos.

O rio sem ser rio
perece
sufocado
enquanto os humanos
lançam
sobre ele
toneladas de lixo
assassinando-o
com milhões
de facadas
contra a sua natureza
perfeita.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O POEMA NA CHUVA

O poema na chuva
não se molha
porque ele é impermeável
à água que cai sobre ele.
Impermeável,
mas não insensível.
A chuva refresca o poema
tornando-o líquido por dentro
mais fluido.

sábado, 1 de agosto de 2009

PALAVRAS NO ESCURO

Palavras saltam
no
ar
breu
de vozes escuras
querendo a luz.