quinta-feira, 30 de abril de 2009

Tire a máscara


Foto de Alfredo Estrella/AFP/Getty
Fonte: Revista Time

Tire a máscara,
ponha a máscara.
Não sei se o que me assusta mais
é a peste suína
ou a peste da frieza humana.


Quantos já usam máscaras
para não se deixar
contaminar
pelo amor?

Tire a máscara,
ponha a máscara.

Tire a máscara,
ponha a máscara.

A pior peste
é a que nos mata
diariamente
num surto invisível
de egocentrismo
de egoísmo
de introversão
em que o outro
é só um fantasma
uma sombra
que não nos toca
e deve ser evitada.

Ponha a máscara.
Tire a máscara.
Ponha a máscara.
Tire a máscara.

A máscara diária
que usamos
para que não nos vejam
por inteiro
é mortal.

Ponha a máscara.
Tire a máscara.
Ponha a máscara.
Tire a máscara.

terça-feira, 28 de abril de 2009

O Homem no Metrô

O homem
morreu
no metrô
de Nova York
e ninguém notou.

Passou por todas
as estações
várias vezes.
E ninguém notou.

Poderia ser um pacote,
mas não era.
Era um homem morto
invisível
no metrô.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A GRIPE SUÍNA

O mundo acordou
na segunda-feira
falando da gripe suína.

O mundo parou
na segunda-feira
por causa da gripe suína.

Mexicanos americanos canadenses
usam máscaras
descartáveis.

Os jornais noticiam sobre
o perigo de uma pandemia.

Ninguém noticia
uma pandemia
que mata milhões
há séculos:
a fome.

Essa pandemia
não dá manchete.

A gripe suína
está na ordem do dia.

As pandemias
criam pânico
e desemprego.
O turismo
no México
sumiu do mapa.

A maior pandemia é a fome,
mas a pandemia
do momento
é a gripe suína.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

ILHAS INTERIORES

Ilhas dentro
de nós
nos ilham
e criam nós.

Desatar os nós
e as ilhas.

Há um rio dentro de nós
querendo correr
sem ilhar-se.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

VAZIO

É no vazio que o poema nasce,
não no repleto.

É no vazio que o poema cresce,
não na rua estreita e lotada
de gente e de carros.

É no vazio que o poema flui,
não no livro escrito
e publicado
de mil páginas.

terça-feira, 21 de abril de 2009

SEM MEDIDA

Um poeta disse
para outro poeta:
-Você não é poeta.
Como um poeta
pode negar
outro poeta?
A poesia não
é propriedade privada,
ela circula
por todos,
poetas e não-poetas.
Um não-poeta hoje
pode amanhã
escrever
uma obra-prima
ou um poema
no caderno
que para ele
representa
uma conquista
uma nova ligação
com as palavras
na sua poética
mínima ou máxima.
Nada de medir a poesia.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A CASA DEMOLIDA

A casa
demolida
transformada
em entulho
chora por dentro
a sua memória
esfacelada.

domingo, 19 de abril de 2009

O Fanático

Era fanático
torcedor
de futebol.


O seu time
perdeu
por 8X1
para o adversário
na final
do campeonato.

Ele engoliu
metade da bandeira
e morreu
de indigestão.

-Que insólita situação.

sábado, 18 de abril de 2009

POEMA BASEADO EM UM FATO REAL QUE O MEU PAI ME CONTOU

O homem lia o jornal
sentado em um banco
do jardim
quando
um outro homem se aproximou dele
e desferiu um tiro
que perfurou
o jornal
a notícia
o homem
que virou
manchete
na edição do dia seguinte.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

PROCURA INFINITA

Procuro
acho
procuro
acho
procuro
acho
perco
procuro
acho
me perco
me procuro
me acho
me perco
eternamente
me acho
e me perco
me acho
e me perco
me acho
e me perco...

quinta-feira, 16 de abril de 2009

SE AS PALAVRAS

Se as palavras
não mais nascerem na minha boca.

Se as palavras
secarem.

Se as palavras
perderem o viço.

Se as palavras
emudecerem.

Se as palavras
murcharem.

As palavras
renascerão
da sua morte
em qualquer língua
em qualquer época
em qualquer região
remota
do universo
ou de mim mesmo.

terça-feira, 14 de abril de 2009

PALAVRAS NO LIXO

Quantas palavras
achadas
no lixo.

Eram palavras
que foram
muito mal usadas
por políticos
e outros
irresponsáveis.

AMOR VELOZ

Ele disse
-veloz-
para ela:
-eu te amo.

Ela
-mais veloz ainda-
respondeu:
-eu não te amo não.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O COLECIONADOR DE DATAS

Colecionador de datas
comemorava
até o aniversário
do seu furão de estimação.

Dia da secretária,
do dentista,
do jornalista,
do professor,
do cantor.

Na vida
só fazia isso,
comemorar.

No dia do seu aniversário
nem foi lembrado.
O colecionador, frustrado,
deu um grito de horror
por descobrir
que o seu apreço
pelos dias
resultou
num imenso vazio.

Depois desse fato
nenhuma data
entrou mais na sua cabeça.

Deletou os aniversários
e tudo o mais que lembrasse
data comemorativa.

Viveu até o último dos seus
dias
contemplando
a desmemória
e o esquecimento.

domingo, 12 de abril de 2009

O monstro

O monstro não
era tão monstruoso
assim.

O monstro não era
de carne e osso.

O monstro não era
de aço.

O monstro não era
de papel.

O monstro foi criado
pela mente
que o dissolveu
quando percebeu
que ele foi construído
num trabalho
minucioso
mas totalmente inverossímil.

O monstro é nada.

sábado, 11 de abril de 2009

SÁBADO DE ALELUIA

Há tantos Judas
políticos
a serem malhados
que a tradição
não dá conta
de tamanha malhação.

E há os Judas virtuais
para malhar com o mouse.

Judas, pobre Judas,
de tanto ser malhado,
já deve ter reparado
todos os seus pecados
e no Paraíso deve estar instalado.

E nós aqui continuamos
falando mal do coitado.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O ATO DE SER

Exercer o ato
de ser
sem ceder
ao apelo
do não-ser
do querer ter
em vez
de ver-se por inteiro
além
do pequeno ser
que é um vampiro
sugando
o nosso ser imenso
para derretê-lo.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

NO MEIO DO TERREMOTO

No meio do terremoto
na Itália
com a sua casa vindo
abaixo
lembrou-se de alguns versos
do poeta Petrarca
escrito
há quase 700 anos.

Sua casa desabando
e a poesia vindo à tona?

Após o tremor,
sem casa
e sem os seus objetos
mais amados,
ele continuava
a se recordar
dos versos de Petrarca
que nenhum terremoto
foi capaz
de apagar
da mente
daquele homem
solitário
e apaixonado
pela poesia
que surge
nos mais inesperados
momentos
como um socorro
extraordinário.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

PALAVREAR

Nave ar

Navegar
no ar
da palavra.

Palavrear.

Palavra e ar.

PLANOS DE VOO

Voar baixo
é perigoso
por causa
dos edifícios
e das árvores.

Voar alto
é perigoso
por causa das nuvens
e dos pássaros.

Não voar
é mais perigoso ainda
porque aquele que não voa
pode ficar colado ao chão
e rastejar
pela vida toda.

domingo, 5 de abril de 2009

PERCUSSÃO

Percussão da minha voz no poema.
Percussão de todas as vozes no poema.
Vozes podem soar
como tambores
baterias
batidas
de mãos na mesa.

Percutir
fazer repercutir
os sons
e os sonhos
que detivemos
durante séculos
fechados em nossos cérebros.

Soltar os sons
e os sonhos.
Os sons e os sonhos
abafados
morrem
por falta de alimento.

Bata palmas
bata os pés
faça do seu corpo
uma caixa de ressonância
e de expressão
de emoções
guardadas nos porões
da alma.

sábado, 4 de abril de 2009

SE O POEMA FALTAR

Se o poema faltar,
ficarei com sede.

Se o poema faltar,
ficarei com fome.

Se o poema faltar,
ficarei atado
ao meu vazio
sem versos
sem luz
e sem palavras.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O AMOR NÃO É CONCRETUDE

Vago desejo de amar.

O amor não é concretude,

mas as pessoas o reduzem

a um ato burocrático

repetitivo

que acaba com qualquer inspiração.

E também com qualquer tesão.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O homem numeral

O homem numeral
fazia dos números palavras
e numerava tudo o que fazia:
assinava cento e vinte e dois papeis
comia dezoito ervilhas
três sardinhas
cem lentilhas
e trezentos e cinquenta grãos de arroz
por dia.

O homem numeral
era muitos números
que o acompanhavam.

Adorava declamar senhas
para si mesmo
no seu quarto
diante do espelho.

O homem numeral
virou um número
no ato final.
E o seu nome foi substituído
por uma lápide
com um grande número
brilhando no chão
e identificado
o homem sem nome
e sem história.