domingo, 17 de janeiro de 2010

NA SALA ESCURA

Na sala escura
a tela branca
não mostra nada.

O público
cada um
a seu modo
inventa um filme

e os enredos
se cruzam
sem que se saiba
o desfecho
dessas trams
humanas
misturadas
com muito conflito
e emoção
em altas doses.

sábado, 16 de janeiro de 2010

FLORESTA DE PALAVRAS

Moramos
numa floresta de palavras.

Nada de deserto.

Por que tanto silêncio
se as palavras
estão tão próximas?

Se não as usamos
envelhecem
trancadas
em nós
pedindo
ar
voz
vibração
de cordas vocais
esse grande alimento.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A CONVERSA DOS MUROS

Os muros conversam
entre si
e reclamam
que estão ficando muito altos
sem que tenham pedido
para os seus donos
colocá-los
naquela altura.
Reclamam de problemas
de coluna
e até algumas fraturas.
Não gostam mesmo
é das cercas elétricas
porque também
recebem descarga
e nem têm boca
para berrar
como os humanos
quando sofrem
aquela dor dilacerante
que os faz pensar
que estão se desintegrando.

TRÂNSITO

Transito
na rodovia
das minhas ideias
mas nas horas de pico
o congestionamento é tanto
que ouço mais buzinas
que palavras
e nada anda
nesse tumulto
nesse mar de pensamentos
turvos
que só se acalmam
quando me lembro
do mais simples recurso:
respiro fundo.
Aí o trânsito volta
a fluir
normalmente
até o próximo congestionamento.

CAIXA DE RESSONÂNCIA

A caixa de ressonância
chamada corpo
é um paraíso sonoro
orquestrado
por sons exteriores
e interiores.
E o maestro é ele mesmo: o corpo.
Mesmo quando a batuta
cai no chão
com as mãos vazias
continua
regendo a orquestra.
Alguns músicos dormem
no meio do concerto
mas quando acordam
emitem sons
sonantes
e dissonantes
transformando
essa mistura sonora
em uma grande festa
para os sentidos.

O INVISÍVEL

O invisível
é totalmente visível.
Na textura da palavra
e no som
que emana
da caixa de ressonância
chamada corpo.
Ver os sons
e o tato
sem precisar sempre dos olhos
como se os outros sentidos
fossem só para as emergências.

FUGACIDADE

Acordo para a palavra
e adormeço
na sua fugacidade.

A palavra no sono
foge
como uma folha de vento
vibrando
no meu rosto
que se transforma
em um segundo
em bafo quente
de mormaço do meio-dia.

A palavra dentro
do sonho
é uma palavra fluida
água que não mata a sede
mas que distribui gotas
pela minha boca
até eu acordar de novo
e chamar outras palavras
para conviver com elas
durante o novo dia.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

ZILDA EXEMPLO

Zilda Arns
fez da morte vida
com simples
sinceras
ações
solidárias
multiplicando
mãos
que se juntaram
numa grande ciranda
de amor
ao próximo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

POBRE HAITI

A morte passeia
pelas ruas de Porto Príncipe
enquanto os sobreviventes
-sem rumo-
gritam por um salvador
que não aparece.

Haiti é um terremoto permanente.
É um tremor após outro.
As imagens do terremoto natural
devastador
acendem
outros tremores
com o fogo do desamparo
da exploração
da violência
contra esse país
tão pobre
e tão rico em cultura
música
humanidade
daqueles que estão tão sós
mas resistem bravamente
em um mundo
que os excluiu
ferozmente.

Pobre Haiti.
A pobreza de uns
é a riqueza de outros
que ignoram
as diferenças
a essência do existir
sem submeter ninguém
ao horror
consumindo vidas
como se fossem produtos
descartáveis
sem nenhum valor.

A morte e a miséria no Haiti
são a mesa farta
as casas e os carros de luxo
de muitos políticos
dos países ricos
que nem sabem
ou preferem fingir que não sabem
que o Haiti existe.

sábado, 2 de janeiro de 2010

VOO DE VIDA

(Poema em homenagem a todos que pereceram na trágica madrugada de primeiro de janeiro de 2010, na Ilha Grande e em outros locais em Angra dos Reis)

Não foi água leve
a que chegou
feroz
levando vidas
que estavam vibrando
com o novo ano
nascendo.

Foi água pesada,
de morte.
Água dura
de destruir montanhas.

Água dura
de aniquilar futuros.

Que todas as histórias
daqueles
que morreram na ilha
se encontrem
em outra dimensão
e refaçam a trajetória
da vida
em um não-tempo
e um não-espaço
gerando
tempos e espaços
surpreendentes
acima da morte
e dos acontecimentos trágicos
e que a beleza ressurja
no voo de uma gaivota
sobre a ilha
reconfigurando
o espaço
da luz
num imenso e infindável arco-íris.

YUMI FARACI

Estrela
que toca
agora
no infinito

Estrela
que canta
agora
no eterno

Estrela
que arquiteta
a vida
agora
em uma nova esfera.