domingo, 31 de maio de 2009

O HOMEM ESTRANHO

O homem
vindo de um planeta
distante
sentou-se
em um banco
da praça
da pequena cidade
e ficou observando
o nada.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O POEMA NO BURACO

O poema
caiu em um buraco.

O poema está
lá embaixo
no subterrâneo.

Ninguém para.

Ninguém socorre o poema.

O poema grita,
mas todos continuam correndo
como se o poema não existisse.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O PONTO ZERO

Somar o ar com a água
e entrar
em uma viagem
líquida
e arejada.

Somar a luz com a sombra
e mergulhar
na sombra com luz dentro
para enxergar
os mistérios
quando eles estão
maiores
do que prevíamos
no início
da trajetória
no ponto zero
da vida.

domingo, 24 de maio de 2009

O PROTESTO DOS LIVROS

Todos os livros fechados
sofrem de solidão extrema.

Nasceram para ser lidos,
não guardados
nem devorados por traças
e cupins.

Os livros, na velha biblioteca,
tão pouca visitada,
morrem de fome
de leitores
e à noite, abertos,
vociferam
entre si
pedindo
em vão
que apareçam
quem os leia
na manhã em seguinte.

sábado, 23 de maio de 2009

MEU TATARAVÔ ESPANHOL

Meu tataravô
espanhol
come presunto Pata Negra
e toma um vinho de Rioja.

Meu tataravô
espanhol
se diverte
fora do tempo
lê a primeira edição
de Dom Quixote
e se esparrama
na rede
em uma tarde de um sábado
remoto.

Depois solta um riso bizarro.

O meu tataravô espanhol
conta para mim
a história dos meus antepassados.

E eu o ouço
daqui
enternecido
e tocado
pela narrativa
que talvez explique
a trajetória
que conduz
a trama
hereditária
que nos une
por um fio
invisível
e forte.

Meu tataravô
espanhol
agora está sentado
em uma nuvem
de espuma.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

SER DO POEMA

Ser do poema
parte
verso
rima
tema
voz interna
metáfora
mundos
ocultos.

O primeiro poema
do universo
ainda está sendo escrito
e tem só um verso.

terça-feira, 19 de maio de 2009

A PORTA

Fechada.
Travada.
Acorrentada.

Querendo se abrir.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A SÃ LOUCURA

Toda loucura é sã
porque dialoga
consigo mesma
no discurso
que só ela entende.

A doença
está no enquadramento
da loucura.

Aí é que a loucura
escapa
de qualquer controle.

domingo, 17 de maio de 2009

POEMA FOTOGRÁFICO

Poema fotográfico:
no instante
a imagem
se faz.

Palavra
e não-palavra
se fundem
na linguagem
do ver
e do ler.

Escrever
e disparar
com a mão
e com o olhar.

sábado, 16 de maio de 2009

O PESCADOR DE LIVRO

Pescou um peixe
no rio quase seco.

Não era um peixe,
mas um livro
de quase quinhentas páginas.

O velho pescador
sem peixe
leu o livro inteiro
e descobriu
mares
rios
entranhas da imaginação
nas quais
ele nunca
havia antes penetrado.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

UM PINGO DE PALAVRA

Um pingo de palavra
seria uma letra
ou uma palavra
escondida
sob uma folha
de papel em branco?

Um pingo de palavra
querendo ser palavra
mas não passando
de um ponto perdido
no espaço.

Um pingo de palavra
um dia nascerá palavra
ou morrerá na boca
de um homem comum
balbuciando
no meio da rua
um som ininteligível.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A PEDRA OBSERVADORA

A pedra observadora
ollhou
para o homem
e percebeu
uma tristeza terrível
encravada na sua face.

A pedra observadora
era mais humana
que o homem
com uma tristeza terrível
encravada na sua face.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A PAIXÃO

Será à tarde
à noite
ou de manhã
que brotará
aquela paixão
guardada
como um tesouro.

Não, não pode ser.
A paixão murchou.

Nâo se guarda uma paixão.
Ou ela explode
rápido
ou mofa
por falta de aquecer
de ser
de deixar acontecer.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O POEMA SALTA

O poema salta
da página
como um peixe
escapando do aquário.

Quero salvá-lo,
devolvê-lo ao livro
de onde saiu.

O poema escapa,
pula a janela,
vai para a rua
viver uma nova vida.

Espero que não seja atropelado.
Nem assaltado.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A FEROCIDADE DO ARTISTA

Dentro do tigre
de papel?
de madeira?
de aço?
havia uma ferocidade
inexplicável.

Não era um tigre
de carne e osso.

Era um tigre
esculpido por um artista
que me visitou em sonho.
Eu entrei
no tigre
e percebi
a ferocidade
do artista
que o criou.
Maior do que qualquer fera.
A arte tem uma ferocidade
criadora
que salva
muitos artistas
da ferocidade comum.

domingo, 10 de maio de 2009

NA CURVA DA PALAVRA

Na curva da palavra
encontrei
tantas dimensões
novas
que não mais recuperei
a reta
o percurso
não-sinuoso.

É na curva da palavra
que o poema
explode.
Não na pista linear
sem buracos
e sem surpresas.

É na curva da palavra
que o poema pede
para nascer.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

POUPADORES EM FUGA

Poupadores
com medo
das novas regras
da poupança
retiram o dinheiro
para guardar
dentro do colchão
enterrar no quintal
ou esconder em um fundo falso
na parede.

Poupadores
saem do banco
com malas cheias
de dinheiro
e não percebem
que os ladrões
estão farejando
prontos
a dar o bote.

Poupadores
desesperados
não são poupados
nem pelo governo
nem pelos bandidos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

DIÁLOGO NADA POÉTICO

-Senador Suplicy,
até o senhor
atropelou a ética?

-Eu não atropelei
a ética.
Ela é que atravessou
a rua
fora da faixa de segurança
e me atropelou.

-Ah, bom. Entendi.
Desulpe a pergunta
impertinente.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O CORPO NA DANÇA

Aquele corpo
na dança
gerava um outro corpo
e mais outro.

Eram muitos corpos
nascendo de um só.

O nome desses corpos
recém-nascidos?
Movimento

terça-feira, 5 de maio de 2009

O AZUL

O azul
desta manhã
tem cor de tinta fresca.

Poderia ser tela
azul
sem
nenhum objeto sobre.

Só o azul
entrando nos meus olhos
e tomando a minha retina.

Hoje eu quero só o azul.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

DENTRO DO INSTANTE

No instante
me inscrevo
me ponho
me vejo.

Fora do instante
eu não existo.

domingo, 3 de maio de 2009

O ENCONTRO NO DESENCONTRO

No encontro do eu
consigo mesmo
há um desencontro profundo.

É o desencontro que faz o encontro.

Não necessariamente.

Mas é o desencontro que provoca
que mexe
que transforma.

O eu precisa de uma mexida
de um choque
não pode ficar à margem de si mesmo
por prudência.

O eu sem o conteúdo do eu
é só metade
ou menos
talvez um terço
um quarto
um quinto
fração mínima.

O eu precisa de si mesmo
no confronto
e no encontro.

E é o confronto
que abre
a relação
que apresenta o eu
para si mesmo.

Antes eram desconhecidos
só falavam de longe.

sábado, 2 de maio de 2009

AUGUSTO BOAL

O homem do teatro
do oprimido
do invisível
saiu de cena.

Boal
agora encena
em palcos
líquidos
no ar
o seu teatro
que não termina.

Nele todos somos atores.
Atuar é do humano.
Todos atuamos
sem saber
que somos
protagonistas
da nossa cena
que se desdobra
em outra
dramática
cômica
irônica
mágica.

Boal fazia teatro
na rua
no palco
em todos os lugares.

Continuará fazendo
teatro
nas nuvens
e em outros planetas
de galáxias múltiplas.

ESTRANHAS MANHÃS

Manhãs estranhas.

Manhãs entranhadas
por sonhos
da noite
que invadiram
o meu café da manhã
como intrusos.

Manhãs com pouco sol.

Toca a campainha
e é um homem
pedindo um copo d`água.

E se for um assalto?

sexta-feira, 1 de maio de 2009

POEMA DOS SABORES

Nascerá o doce
do amargo
do azedo
do picante.

Nenhum sabor é único.
Nenhum sabor é inteiro.

A matriz dos sabores
se encontra
no bolo do sentir
e do perceber
os gostos e os não-gostos
de todas as coisas
com as suas variações
infinitas.