sábado, 28 de fevereiro de 2009

A CONSUMISTA CONSUMIDA

A consumista
foi consumida
por suas compras.

Quinhentos sapatos
duzentas calças
trezentos vestidos.

A consumista
foi consumida.

As roupas desfilam
para ela
como se tivessem
vida própria.

E ela
-sem vida-
assiste ao desfile
e ainda aplaude.

A SOLIDÃO DOS ESPELHOS

Quantos espelhos na casa
vazia
refletindo o nada
e a memória
de todos que foram embora.

Os espelhos conversam
riem
para espantar o tédio
esperam
que alguém entre
na casa
e seja refletido por eles.

A solidão
dos espelhos
na casa vazia
é incalculável.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O FALSO PROFETA

No ano de 1999
conversei
com um falso profeta
que previu o fim
da poesia já no início do século XXI.

O falso profeta
desapareceu
na fuligem
no ar
na névoa

e a poesia está aqui
diante de nós
circulante
vibrando
como beija-flor
na árvore
que fica bem ao lado
da minha janela.

INTIMIDADE

Ter com as palavras
uma relação de intimidade.

Nada de tratá-las
como se fossem intocáveis.

Elas não são.

É preferível tê-las
como amantes.

.

VAI ENTENDER !

Um elefante
entrou na sala
com uma delicadeza
espantosa
e não quebrou
nenhum móvel
ou estatueta
de louça
em cima da mesa.

Um poodle
entrou na mesma sala
horas depois
e quebrou
a estatueta
que o elefante
poupou.

SORRISO OCULTO

Oculto sorriso
não sai,
adormece,
pedra se faz
e o rosto
que tinha tudo
para se abrir
nurcha
pétala seca
flor sem primavera.

Nenhuma plástica
recriará
sorriso
que se desfez
por falta de uso.

ESTADO DE CRIAÇÃO

Vozes interiores
movem-se
no poeta
enquanto o poema
se forma.


Vozes luzes
vozes espelhos
vozes imaginação
vozes sombras

É um coral
de vozes secretas
íntimas
que fervem
na alma do poeta
em estado de criação.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

ROBÔS JAPONESES

Os robõs japoneses
estão enferrujando nas lojas
porque os americanos
não têm dinheiro para comprá-los.

Os robôs japoneses são tão avançados:
falam, riem, cantam, dançam,
mas não conseguem conter a crise
porque não pensam
como não pensaram
os especuladores
americanos
japoneses
chineses
franceses
para evitar
a catástrofe.

Os brasileiros
desempregados
dormem nas ruas do Japão
enquanto os robôs japoneses
continuam sem fazer nada,
espantosamente calados.

OS HOMENS DO PODER

A cultura
não sensibiliza
os homens do poder.


Os homens do poder
querem o poder
não estimular
a arte
a poesia
a reflexão.

Os homens do poder
são tão egoístas.
Se não fossem,
o mundo seria outro
com muito mais pessoas
rindo
criando
pensando
em mudanças.

Os homens do poder
se pudessem
construiriam prisões
em vez de escolas.

Os homens do poder
são medonhos.

POUCAS VOZES

Poucas vozes.

Pouquíssimas vozes.

A maioria caminha em silêncio
enquanto o mundo gira em falso
perigosamente.

LER A REALIDADE

Leio a realidade
todos os dias
como se lê um jornal.

A realidade
se move como um
bicho.
Às vezes se parece
com uma tartaruga
outras com um tigre.

Se não a leio
fico à margem
imerso em mim mesmo
náufrago
das minhas elucubrações.

A realidade nos chama.
Nada de passar por ela
com uma venda nos olhos
como se ela não existisse.

A realidade nos atropela
como um trator
se atravessamos a rua
sem percebê-la
em toda a sua extensão.

POEMA NA GAVETA

Poema na gaveta
esquecido
como receita de bolo
que nunca foi testada.

O poema não quer a gaveta
mas viver dentro de um livro
ou na fala do poeta
que o escreveu.

Na gaveta
há inimigos mortais
do poema
na folha
de sulfite: traças e cupins
sem nenhuma
sensibilidade
para lê-lo
e interpretá-lo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O SEU SILÊNCIO

O que você me diz?

Por que você não diz?


O seu silêncio
é tão cheio de ruídos
que me intriga.

LAVAR AS MÂOS

Para pegar o almoço
o prato
que nos alimenta
lavamos as mãos.

Para pegar o livro
que nos alimenta
profundamente
também lavamos as mãos.

Pegar o livro
com as mãos sujas
é contaminá-lo
com a nossa displicência,
que é a pior bactéria.

Todo livro é sagrado
à medida que o escolhemos
e o lemos
em um ritual
de ideias
e de imagens
instigantes
e prazerosas.

NA POESIA

na poesia
fluo

na poesia
flutuo

na poesia
me alongo

na poesia
relaxo

na poesia
me sinto livre
de todos os obstáculos.

O CIRCO DA POLÍTICA

O circo armado
da política
tem muitos palhaços
na plateia

Somos nós os palhaços
esperando sentados
que eles façam
a democracia
caminhar
em linha reta
e correta

Mas eles riem
e se divertem
como se o grande espetáculo
fosse a bandalha
que muitos deles fazem
com o nosso dinheiro
minguado
que escorre pelo ralo
e nunca mais retorna.

O CORPO ESPACIAL

Estrelas
no meu corpo
espacial

Tem uma lua ou várias.


Também cometas
que surgem
raramente.

E sol.

Quando
a chuva
aparece
toma o cenário
e lava
o meu corpo
de muitas dimensões.

Quantos universos
há em um corpo.

Quantos planetas
astros
asteróides
regiões incalculáveis
em um único corpo
que anda pela cidade
ou que trabalha agora
em um escritório
sem imaginar
nada disso.

AS CRISES

Pior que a crise econômica
é a crise de ideias
de projetos
e de sentimentos.

Só se fala em economia.
E a poesia
fica esquecida:
essa flor maldita e esplendorosa.

NATUREZA MORTA

Na tela
com o tempo
as frutas apodreceram
e o pintor nem percebeu
que nesse processo
houve mais vida vibrando
que na sua pintura
imóvel
dura
sem criação nenhuma.

VIVER

Viver não é um plano
mas um acidente
que vai se transformando
em acontecimentos
que fogem ao nosso controle.

Somos o piloto
mas a nave
tem rota própria.

Quando pensamos
que estamos no comando
ele nos escapa

e a viagem continua
com rotas várias
turbulência e céu de brigadeiro
se alternam
na jornada
estranha
incrível
imprevisível
sem um ponto final
mas com muitos pontos
de interrogação.

ESTAR NA POESIA

Estar na poesia
conviver com ela
viajar no verso
no verso ser
pleno de sua essência.

A PALAVRA PERDIDA

O escritor
procurava
a palavra perdida
perdida
aquela que estava dentro dele
queimando
e não vinha à tona.

Havia escrito
mais de vinte livros
mas uma palavra perdida
o atormentava.

Sonhava
todas as noites
com ela.

Quando acordava
ela desaparecia.

Viveu a vida inteira
procurando
a palavra misteriosa
que ficava
a um milímetro dele
mas nunca foi atingida
nem decifrada.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

LOUCA INVENÇÃO

O pequeno gênio de nove anos
inventou um carro
incrível
que quase não gasta combustível.

Como é menor de idade
para a sua sorte
não pôde testá-lo.

O piloto de provas
destacado
para a ocasião
só rodou cem metros
antes da explosão.

O garoto foi inocentado.
Era um gênio,
mas também era um menino.
Estava só brincando.
A idiotice foi daqueles
que acreditaram
em tão incrível proeza
e nem pensaram nas surpresas.
Se até satélite americano
explode
após o lançamento
por que não carro
tão absurdo
que não gasta praticamente combustível nenhum.

O CHIMPANZÉ DOMESTICADO

O chimpanzé
domesticado
acordou
com a macaca
e quase atacou
a sua dona
logo pela manhã.

Ela lhe deu
um ansiolítico
e recebeu
em casa
a amiga
que foi brincar
com o animal,
uma gracinha.

O chimpanzé
devia estar de saco cheio
de fazer anúncio na TV
e atacou
a visitante
dilacerando
os seus olhos
as suas mãos
e a sua mandíbula.

A mulher foi para o hospital
em estado gravíssimo
e o policial
fuzilou
o chimpanzé
que nunca deveria
ter saído
da floresta.

Civilizaram o chimpanzé
e depois o mataram.

Deveriam ter fuzilado
a dona,
não o macaco,
que não nasceu
para viver
entre quatro paredes
nem para fazer
anúncio na TV.

ESPANTO

O relógio
passou a funcionar
em um outro tempo
incontrolável
às vezes rápido demais
às vezes lento.
E o seu dono
seguia o ritmo
do relógio
e ninguém entendia
que tempo era esse
que o movia.

CHUVA E CARNAVAL

Um homem ensopado
na chuva
usando uma capa de jornal.

Uma criança brincando
na chuva
como se fosse carnaval.
É carnaval.

PAPAGAIO SOLITÁRIO

Poucas palavras
naquela casa.
Pai ausente.
Mãe ausente.
Filhos ausentes.
Compromisso.
Compromisso.
Compromisso.
O papagaio solitário
para não morrer
de tédio
assobia o Hino Nacional
trancado
na área de serviço
sem direito
a ar puro.

AMOR DE CELULAR

Eles se amam
no celular
eles se beijam
no celular
eles se agarram
no celular
e ainda não marcaram
o dia
de se encontrar.

BANCOS E MONSTROS

Bancos gigantescos
estão ruindo
na matriz econômica do planeta.

Montadoras de veículos
estão se dissolvendo.

É uma grande gosma financeira
que não para de sair
da boca e das ventas do monstro
que quer engolir até o nosso cofrinho
de estimação
guardado
desde a infância
com moedas tão antigas.

OS CORRUPTOS

Há muita corrupção no país.
Que novidade!
Ouço falar disso
desde quando eu era criança.
A novidade seria a notícia:
Todos os corruptos do país estão na cadeia.
Haja cadeia!
Essa novidade
não passa de utopia.
Os corruptos estão mais soltos do que nunca.
E comemoram
com o nosso dinheiro
a nossa incapacidade
de puni-los.
Os corruptos
não economizam.
O dinheiro é público,
então eles
gastam da melhor maneira.
Para eles.
Só para eles.
E também para amigos e familiares.
Tão corruptos quanto eles.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

SEM MUROS

Derrubou todos os muros da sua casa.
Não suportava mais viver ilhado.
Com um megafone
chamou os ladrões.
Nenhum compareceu.
Acharam que fosse armadilha.
Muros altos e com cerca elétrica
são mais seguros,
pensou um deles
antes de invadir
mansão
a cem metros
da casa desmurada.

O ESPELHO

O espelho me encarou.

O espelho me viu na semana passada
pela primeira vez.

O espelho teve comigo
um diálogo silencioso
com reflexos ainda desconhecidos.

Hoje conversamos de novo
como fazemos todos os dias.
Amanhã continuaremos a nossa conversa
que vai do afável ao quase hostil,
mas sem que percamos
a compostura.

OUTRO PLANETA

Pássaros pousados nas janelas
ou passeando na varanda
das casas.
Sem medo dos homens.
Pássaros felizes.
Irão voar daqui a pouco.
Sem pressa.
Na ilha não há predadores.
Bichos humanos e bichos bichos
convivem
na maior harmonia.
Até parece que é outro planeta.

O RUÍDO

Na casa todos ouviram o ruído.
Seria um rato?
Um fantasma?
Um ladrão?

A família passou a noite perseguindo o ruído.


Às seis horas da manhã,
sol nascido,
o ruído foi embora
e só retornou
depois da meia-noite do dia seguinte.

DISCURSOS

Na cerimônia
todos queriam discursar:
o homenageado, a família do homenageado
e os dez que propuseram a homenagem.
Foi uma discurseira
que não acabava mais.
No final,
todos foram embora
estressados
e nem olharam para os salgadinhos , os canapés
e o vinho.
Um mendigo entrou
no local já vazio
e falou para o segurança:
-Eu fui convidado.
Ambos se fartaram
com aquele banquete.
Até as moscas participaram.

INFORMAÇÃO

A mulher gritava
no meio da rua:
-O mundo acabou.
Alguns poucos a notaram.
Um homem à sua frente
lia o jornal
sentado no banco da praça.
A mulher continuou gritando:
-O mundo acabou, o mundo acabou.
O homem que lia jornal disse a ela:
-Nâo deu nada no jornal de hoje.
E ela, entrando na dele, agora mais calma:
-Acabei de ver na Internet.

SEM MISTURA

Mistura de hoje com ontem.
Amanhecemos diariamente
com dias passados
acoplados
no nosso corpo
e na nossa alma.
O hoje já vem contaminado de memória.
Lembrar é bom,
mas o hoje é uma presença maior.
Não gosto de deixar o hoje
prensado numa parede
entre
o passado e o futuro.
O hoje precisa
de muito ar para respirar.
Ar puro.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

FÁBULA DO URSO E DA OVELHA

Ambos se encontraram
no meio do deserto
e não entenderam
por que estavam ali.

O urso reclamava tanto
daquela situação estranha
enquanto a ovelha
ouvia-o pacientemente.

Quando já haviam saído
daquela areia
o urso agradeceu
pela ovelha ter sido
tão compreensiva.
Aí foi que ela explicou
que era surda
de nascença
num balido quase incompreensível.

FÁBULA DO CACHORRO E DA ARANHA

A aranha teceu
uma teia em torno
do vira-lata
de boa fé
e ele só percebeu
quando estava
todo emaranhado nela.

INVERSÃO

Olho para a manhã
e vejo
a noite mais profunda.

Olho para a noite
e vejo manhãs
eclodindo
no horizonte.

NO MEU BARCO

No meu barco
vou à deriva.

À deriva de quem?

No meu barco
navego.
Naufrágio não é a minha praia.

DESENCONTROS

Nos desencontros
há pequenos
encontros
imperceptíveis.

Desencontrar-se
para achar-se.

Encontros demais
lembram
colisão.

É nos desencontros
que se respira
para se reiniciar
a procura.

O POETA

O poeta não é um construtor
nem um demolidor.

O poeta respira versos
e transpira
quando os versos
extravasam
pelos seus poros.

UMA GOTA

Uma gota é um mar.

Uma gota é um rio.

Uma gota é o universo.

Uma gota é só este verso.

MEMÓRIA

Cenas incompletas
flashes
frases pela metade.


No presente editamos
a memória
e cortamos
as cenas
que por vários motivos
não nos interessam.

Essas cenas cortadas
é que deveriam
ser as mais preservadas.

EU QUERIA ESCREVER

Eu queria escrever
como quem toca piano

Eu queria escrever
como quem faz solo
de violino
ou de violoncelo.

Eu queria escrever
como quem amarra
sapatos
com uma só mão.

Eu queria escrever
assim
como estou escrevendo agora
com a poesia fluindo
mesmo sem saber aonde vai dar.

ESCREVER...

Escrever
é como livrar-se
do medo
de ser.

Escrever é soltar-se.

Escrever é voar.

Escrever é aterrissar em novos territórios.

Escrever é experimentar.

Escrever é descobrir-se
a cada nova palavra
brotando
semente do verso
do poema
do conto
da crônica
da frase nascida
de improviso
no meio de uma conversa
regada a chope
com os amigos.

UM ESCRITOR

Um escritor
autor
de mais de cem livros
entrou em um livro
gigantesco
sem texto algum
todo em branco.

Havia morrido
ou estava sonhando?

Um livro tão grande
como aquele
quem ousaria escrever?

E ele estava só na primeira página.

A ESFERA

No meio da esfera
a fera perdeu
o rumo de si mesma.

Olhou para todos os lados
e se viu projetada
em um grande espelho.

A fera
se reconheceu
tão profundamente
depois de tamanha observação
que perdeu a sua ferocidade
recolhendo-se
ao seu vazio
de ex-fera
na esfera.

SOU MOVIDO A POESIA

Sou movido a poesia
a vinho
a amores
e outros deliciosos
combustíveis
como música
filmes
vídeos
fotografias
blogues
frutas
salmão
fettucini

O que me move
é não querer
a imobilidade,
é tão simples.

CARNAVALIZAR A MENTE

A mente quer carnaval
a mente não quer
repetição
de velhos ritmos
sons
ideias.

Carnavalizar a mente
para a mente
não emperrar.

A mente
quer samba rock carnaval
jazz blues soul MPB
poesia
amores
aventuras
gritos
sonhos
risadas.

A mente
não quer mesmice.

A mente
quer
novas matérias-primas.

ENTRO NA PALAVRA

Entro na palavra
e me gravo...
minha voz fala
por dentro do verso
é uma voz distante
que se transforma
a todo instante.